domingo, 27 de março de 2011

Crítica ao conceito de Inteligência (Fator g)

Este texto é uma crítica ao conceito de  inteligência conforme a crítica ao conceito de mente e a  proposta de inclusão do behaviorismo radical na disciplina filosófica denominada filosofia da mente segundo o trabalho de Lopes & Abib (2003). No trabalho referido os autores sintetizam a critica ao conceito de mente que Ryle faz com as criticas ao mentalismo feitas por Skinner. Segundo Abib & Lopes (2003), o argumento de Ryle se inicia com a teoria das categorias de Aristóteles, que dividem o "ser" ontológico em categorias necessárias, dentre elas a substancia, a qualidade e a relação.


A mente estaria numa categoria incorreta em seu uso teórico, pois não consistiria de substancia como desde Descartes até os cognitivistas modernos ela vem sendo encarada, mas de determinadas relações de um organismo com seu meio ambiente (Lopes & Abib, 2003). Mas de que tipos de relações, ou comportamentos, como os definem Skinner poderiam ser definidos como mentais?
A pedra angular da teoria oficial, também chamada de mentalismo por Skinner é o conceito de inteligência que seria uma substancia interna que “causaria o ato inteligente”. Mas o que pode ser definido como “inteligente”? Segundo os autores transcrevendo Ryle, estariam no uso que o senso comum faz da palavra “inteligente”. Disse- que uma pessoa é inteligente quando se comporta eficazmente em determinado contexto (Lopes & Abib, 2003).
Em contrapartida os teóricos mentalistas e cognitivistas definem um ato como inteligente pressupondo um estado interno chamado pensamento.

 “Portanto, a ação só exibe inteligência quando o sujeito está pensando no que está fazendo, durante o que está fazendo e, conseqüentemente, não desempenhará tão bem a tarefa se não pensar para fazer” (Ryle, 1949/1980 apud Lopes & Abib, 2003 p.86).

A primeira preposição encaixa-se perfeitamente no conceito de operante discriminado proposto por Skinner, mas a segunda pressupõem dois processos agindo um em determinação do outro, o ato de pensar e o ato de se comportar inteligentemente (Lopes & Abib, 2003).
É incorreto afirmar que a inteligência determinaria uma ação inteligente, pois está seria apenas uma disposição de se comportar inteligentemente e não algo substancial. O conceito de disposição de Ryle pode ser traduzido para o conceito de repertorio comportamental (Lopes & Abib, 2003).

Não se diz em Analise do Comportamento que um repertório causou um comportamento, pois esse conceito de repertorio é apenas uma descrição de probabilidades de respostas em contextos e não um agente causal.

Não se diz em Analise do Comportamento que um repertório causou um comportamento, pois esse conceito de repertorio é apenas uma descrição de probabilidades de respostas em contextos e não um agente causal. A causalidade seria explicada através de outras variáveis externas a resposta, relacionadas ao ambiente no qual o organismo se relaciona. (Lopes & Abib, 2003).

Não se utilizando destas discussões aqui apresentadas os teóricos cognitivistas do século XX, principalmente Spearman, Cattell e Carroll, criaram teorias pautadas na preposição que a inteligência causa comportamentos (Hogan, 2006).

Ao aplicar testes referentes a áreas do conhecimento consideradas importantes para fazerem partes do conceito de inteligência e submeter os resultados a analise fatorial, Spearman (1904) encontra em seus cálculos um fator a mais do que as habilidades especificas (Hogan, 2006).

Spearman então infere ter descoberto fator g (geral), que na sua teoria somado as habilidades específicas compunham o constructo causal da inteligência. (Hogan, 2006)

Para o autor do artigo, o fator g determinaria habilidades humanas como o dirigir automóveis. Sendo para eles uma importante estimativa para saber se um motorista é apto ou não a guiar um veiculo medir sua inteligência (Sisto & Cols, 2006).

Considerações Finais

Testes psicológicos são testes comportamentais, toda a habilidade “cognitiva” é inferida dos resultados dos testes que são produtos de contingências de três termos. Quando um cognitivista afirma estar medindo a inteligência, por exemplo, quando correlaciona o desempenho do teste numérico a uma situação da vida do sujeito em que tem que desempenhar aquela mesma classe de respostas, na verdade o que ele está medindo é de uma forma deficiente a probabilidade do sujeito se comportar da mesma forma em contextos diferentes. Deficiente porque ele não pode controlar e especificar as variáveis que produzem o comportamento, mas apenas fazer uma estimativa estatística do mesmo em um contexto parecido.
O fator g, como substrato incidental de tal abstração de dados obtidos em testagem não passaria então de uma estimativa aproximada da capacidade de generalização, equivalência, e etc. que o sujeito tem em diferentes contextos, e não uma substancia ou energia interna que determinaria essa generalização.
Seriam necessários maiores pesquisas nessa área para um esclarecimento tanto epistemológico quanto experimental.

Referências

CATANIA, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre: Artes Médicas.

SISTO, F. F.; FERREIRA, A.; MATOS, M. P. B.; TCR e R1: duas medidas do fator g. PSIC – Revista de Psicologia da Vetor Editora, v. 7, nº 1, PP. 69-77, Jan/Jun. 2006.

SKINNER, B. F. (1994). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov & R. Azzi, Trads.). São Paulo: Martins Fontes. (Original publicado em 1954).

LOPES, C. E.; ABIB, J. A. D. O Behaviorismo Radical como Filosofia da Mente Psicologia Reflexão e Crítica, 2003, 16(1), pp.85-94.

Ver também: 



http://funcionalanalise.blogspot.com/2011/03/resolucao-de-problemas-ou-insight-nao.html

http://funcionalanalise.blogspot.com/2011/03/entrevista-dra-katia-perez-ramos.html

http://funcionalanalise.blogspot.com/2011/01/penso-logo-existo.html

http://funcionalanalise.blogspot.com/2010/12/mente-e-o-behaviorismo-radical.html

http://danielgontijo.blogspot.com/2010/11/medidas-da-inteligencia.html

9 comentários:

  1. Ótima postagem.... parabéns pela dedicação ao blog, com certeza vc será um grande analista do comportamento!!!!

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  2. Skinner falou em "Sobre o Behaviorismo" que os fatores são antes esquemas de classificação do que causas (p. 138). Podemos agrupar certos comportamentos como dependentes de uma mesma variável, digamos, o fator "habilidade social". O erro, como você citou, estaria em supor um domínio cognitivo que DETERMINA aqueles comportamentos (a "habilidade social"). Em vez de atribuir ao fator um valor causal, deveríamos interpretá-lo de uma outra forma: esse conjunto de comportamentos co-relacionados parece ser controlado por uma ou algumas variáveis comuns (digamos, contextos sociais mais ou menos específicos), comportamentos estes que devem ter sido gradualmente modelados ao longo da história de vida de uma pessoa.

    Quanto ao conceito de inteligência, tenho notado que ele tem sido eventualmente usado como capacidade (ou qualidade/efetividade) em vez de como uma substância ou estrutura que determina outras coisas. P. ex., inteligência seria a capacidade (ou a efetividade )de aprender, de raciocinar e de resolver problemas. Penso que a medida "inteligência" tenha lá sua importância, mas venho concordando que esta medida expressa mais a efetividade de certas classes comportamentais (em termos de seus produtos) do que revela um componente interno que determina o comportamento.

    Mas esse assunto dá pano para manga. Vou refletir mais sobre isso e posso posteriormente voltar e deixar mais algumas considerações.

    Parabéns pelo texto, Marcos. Um abraço!

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  3. Por outro lado, Marcos, não é menos verdade que os comportamentos que são agrupados em um mesmo fator partilham certas redes neurais. E há também casos em que variáveis internas explicam parte da co-relação. Por exemplo, a velocidade com que os potenciais de ação são conduzidos depende da integridade dos axônios; se a condução é lenta (problemas de mielinização, p. ex.), toda uma miríade de "comportamentos cognitivos" é afetada. Apenas disso, devemos também levar em conta as CAUSAS da lentificação da condução desses potenciais. Nesse caso, os genes e o ambiente decerto entram como determinantes. As pesquisas estruturais (cognitivas e neurocientíficas), por outro lado, podem axuliar na construção da ponte que une o status quo do sistema (efetuando diagnósticos) e a história que levou a esse estado.

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  4. Concordo com vc sob a correlação de comportamentos cognitivos e redes neurais, mas isso não quer dizer que os comportamentos são causados pelas redes neurais.
    Também concordo com as evidências de variavéis anatomo-fisiológicas do cérebro (e não cognitivas) que são variaveis independentes em relações comportamentais. Como vc citou as barreiras de mielina, danos no neo-cortex, etc...
    Mas seriam diagnósticos mesmo necessários?

    Diagnósticos são classificações de respostas em constructos "Patologias" ou seja lá o que for. Mas é uma classificação puramente estrutural, não levando em conta que cada evento é único e produzido por um conjunto de variáveis própria dele.

    Ocorre que, em partes mais simples de nosso organismo (como o estomago) a classificação diagnóstica é muito útil, e é possivel tratar o problema baseado nela. Mas quando falamos de comportamento (respondente ou operante), a coisa complica, porque ele é multideterminado naturalmente, pois foi uma caracteristica selecionada e herdade filogenéticamente para dar conta de multiplos tipos de eventos (mudanças ambientais constantes). É no contexto da relação do organismo com essas mudanças (inclusive realizadas por ele) é que está o verdadeiro diagnóstico não estrutural estatistico (modelo médico), mas funcional e contextual (modelo behaviorista radical).

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  5. Estou honrado de ver vc no blog novamente Daniel,

    Seja bem vindo!

    Recomendo que leia esses artigos muito bons:

    http://www.alppsicologa.hpg.ig.com.br/TecnicasCognitivoComportamentaisAnaliseFuncion.pdf

    Sobre o modelo diagnóstico médico/ quase-médico e análitico comportamental.

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  6. Concordo: comportamentos não são causados por redes neurais; a atividade da rede É um comportamento.

    Um diagnóstico "estrutural" pode ser útil em certos contextos, Marcos. Se a depressão for caracterizada (e não causada) por um balanço baixo de serotonina, p. ex., podemos sintetizar fármacos que amenizam seus sintomas (embora sua cura seja de fato promovida por outros meios, como quando planejamos contingências de reforçamento mais efetivas). Os anticolinesterásicos, usados em doenças como o Alzheimer, e os precursores e competidores dopaminérgicos, usados no Parkinson e na esquizofrenia, respectivamente, são outros exemplos. Voltando ao caso que citei anteriormente, sabe-se que a velocidade de condução do potencial de ação está relacionada com certos genes (como o APOE4), alguns dos quais (aquele mesmo) aumenta o risco de uma pessoa ser acometida por processos demenciais. Enfim, esse tipo de conhecimento pode direcionar intervenções em diversos níveis, incluindo aquelas de caráter funcional e contextual.

    Concordo, no entanto e portanto, que o diagnóstico funcional possa ajudar todo um contingente de pessoas que sofre de uma gama de patologias, bem como que cada caso é um caso e que por isso devemos nos atentar mais para as contingências.

    Obrigado pela sugestão de leitura. Fá-lo-ei assim que puder!

    Um abraço!

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  7. Completo sua primeira proposição, a atividade da rede é "parte" de um comportamento.

    Agora quanto aos casos de analisar a estrutura neurológica, eu concordo plenamente que esse tipo de conhecimento pode completar uma análise do comportamento, e potencializar a eficacia de tratamentos.

    O grande erro que tem sido cometido é achar que ela por si só basta. Quando na verdade é apenas uma parte da análise funcional total.

    Sou meio cético quanto a continuarmos precisando de um diagnóstico estrutural, baseado em modelos estatísticos, creio que no futuro o que teremos será cada vez mas avaliações funcionais individuais.

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  8. Será o triunfo de Skinner sobre o Cognitivismo, nas áreas de neurociências. :D

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